11 Janeiro 2023
“Os símbolos são importantes na Igreja Católica. Após a eleição de um novo papa, nada seria mais claro do que ter o papa emérito, vestido de cardeal, beijando o anel do novo papa e jurando lealdade a ele junto com os outros cardeais. Isso deixaria claro que há apenas um papa na Igreja Católica”, escreve o jesuíta estadunidense Thomas Reese, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 11-01-2023. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando o Papa Bento XVI renunciou em 2013 – o primeiro pontífice a fazê-lo em 600 anos – a Igreja não tinha regras sobre qual seria o papel de um papa aposentado ou mesmo como ele seria chamado.
Após a renúncia de Bento, seu selo papal e anel de pescador foram sabiamente quebrados, como teria acontecido se ele tivesse morrido. Mas outras decisões sobre como ele seria chamado, o que vestiria e onde moraria foram tomadas rapidamente e sem nenhuma consulta a teólogos e canonistas. O papa aposentado tornou-se o “Papa emérito Bento XVI” e continuou a usar a batina branca e a viver no Vaticano.
Como essas decisões foram em grande parte tomadas pelo próprio Bento, enquanto Bento estava vivo, qualquer esforço para estabelecer protocolos formais poderia ser visto como uma crítica a ele. Quaisquer novas regras que o obrigassem a mudar seu modo de vida seriam vistas como humilhantes, até mesmo vingativas.
Agora que Bento está morto, a Igreja precisa estabelecer esses protocolos. O Papa Francisco pode emitir novas regras que se aplicarão a ele, caso se aposente, e a seus sucessores sem perturbar seu antecessor. Idealmente, uma proposta preliminar desses protocolos seria distribuída para discussão antes de sua codificação na lei da Igreja.
Os protocolos devem ser informados pela confusão causada pela experiência de ter um papa emérito. Sentados lado a lado, vestidos de branco, Bento e Francisco pareciam iguais. Até mesmo a gentileza e deferência que Francisco mostrou a Bento XVI fez parecer que a Igreja tinha dois papas.
A mídia, que vive de controvérsias, examinou as poucas palavras e ações públicas de Bento XVI em busca de sinais de desacordo com Francisco. Os conservadores tentaram usar o papa emérito como um contraponto ao novo papa, de quem não gostavam e, embora Bento XVI condenasse tais ações, não conseguiu impedi-las.
Nada disso era bom para a unidade da Igreja. Tanto os conservadores, como o cardeal George Pell, quanto os progressistas, como eu, pediram protocolos que mostrassem mais claramente que há apenas um papa na Igreja Católica.
Embora a Igreja não tenha regras sobre como os papas eméritos devem agir, existem regras para os bispos eméritos que fornecem um modelo para os papas eméritos. Afinal, o papa é o bispo de Roma.
“O Diretório para o Ministério Pastoral dos Bispos” afirma:
“Por sua vez, o Bispo emérito terá o cuidado de não interferir de forma alguma, direta ou indiretamente, no governo da diocese. Ele vai querer evitar toda atitude e relação que possa sugerir algum tipo de autoridade paralela à do Bispo diocesano, com consequências prejudiciais para a vida pastoral e a unidade da comunidade diocesana. Para tal, o Bispo Emérito exerce sempre a sua atividade em plena concordância com o Bispo diocesano e em deferência à sua autoridade. Assim todos compreenderão claramente que só o Bispo diocesano é o chefe da diocese, responsável pelo seu governo”.
Este parágrafo poderia ser facilmente modificado para exortar os papas eméritos a evitarem até mesmo insinuar algum tipo de autoridade paralela à do papa reinante. Na maior parte, Bento seguiu essa prática.
O direito canônico prevê que “um bispo cuja renúncia ao cargo tenha sido aceita mantém o título de emérito de sua diocese e pode manter um local de residência nessa diocese se assim o desejar, a menos que em certos casos a Sé Apostólica disponha de outra forma por causa de circunstâncias especiais”.
Sob este cânon, se o papa fosse simplesmente o bispo de Roma, ele seria conhecido como o bispo emérito de Roma quando se aposentasse. Ele teria permissão para viver na diocese, que seria responsável por fornecer-lhe “apoio adequado e decente”.
Ter o papa emérito morando no Vaticano causa alguma confusão, mas a alternativa também é problemática, porque sua nova residência pode se tornar um destino de peregrinação para dissidentes que desejam se opor ao novo papa.
Minha preferência seria que ele se retirasse para Castel Gandolfo, uma propriedade extraterritorial do Vaticano a 41 km a sudeste de Roma. Costumava ser a residência de verão do papa, mas Francisco não a usou. Se esse local se tornasse um ponto de encontro para dissidentes, ele sempre poderia voltar para o Vaticano.
Mas há aspectos do ofício papal que são únicos para os quais não há equivalentes episcopais.
Os papas mudam de nome quando se tornam papa, como Joseph Ratzinger se tornou Bento XVI. Eles vestem branco em vez de roxo como os bispos ou vermelho como os cardeais. Essas mudanças simbólicas fazem com que o papa se destaque como único na Igreja Católica.
Mas, como símbolos do ofício papal, um papa deveria deixá-los de lado quando se aposentar.
O cardeal Gianfranco Ghirlanda, proeminente canonista que por décadas assessorou os dicastérios vaticanos e foi decano de direito canônico na Universidade Gregoriana de Roma, observou: “Ter duas pessoas com o título de ‘papa’, mesmo que uma delas tenha acrescentado ‘emérito’, não garante que isso não possa gerar confusão na opinião pública”.
Apesar das duplas negativas, seu significado é claro. Usar o título de papa emérito pode gerar confusão entre o público.
Ele sugeriu títulos como “ex-pontífice romano” ou “ex-supremo pontífice”, enquanto outros preferiam simplesmente “bispo emérito de Roma”.
Para eliminar ainda mais a confusão, acredito que seja necessário que um papa emérito retorne ao seu nome de batismo até morrer. Ao nos referirmos a suas ações como papa, devemos usar seu nome papal, mas para suas ações após a renúncia, devemos usar seu nome original, assim como usaríamos seu nome original ao descrever sua vida antes de se tornar papa.
Ele pode até voltar ao Colégio dos Cardeais, mas como membro sem direito a voto.
Finalmente, ele deve deixar de lado suas vestes papais e usar as de um bispo ou cardeal emérito.
Os símbolos são importantes na Igreja Católica. Após a eleição de um novo papa, nada seria mais claro do que ter o papa emérito, vestido de cardeal, beijando o anel do novo papa e jurando lealdade a ele junto com os outros cardeais. Isso deixaria claro que há apenas um papa na Igreja Católica.
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Com a morte de Bento XVI, caminho aberto para regras formais a papas eméritos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU